quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O CÉREBRO DO ADOLESCENTE


O CÉREBRO DO ADOLESCENTE

Dra. Saada Ellovitch*


Todos sabemos que a adolescência é um período de grandes transformações físicas e emocionais próprias do desenvolvimento do corpo e do cérebro. Este período é caracterizado por decisões sub-ótimas e ações associadas ao aumento de possíveis comportamentos não intencionais, com consequências muitas vezes para o resto da vida do indivíduo e sua família: envolvimento em acidentes, violência, exposição ao uso de drogas lícitas e ilícitas, gestação indesejada e doença sexualmente transmissível.  

Gastam a maior parte do tempo com seus pares, outros adolescentes, fisicamente ou virtualmente, ficando menos tempo com adultos. Apresentam frequentes conflitos com os pais. 

O alicerce do desenvolvimento cognitivo é a habilidade de suprimir pensamentos e atos inapropriados a favor de ações direcionadas a metas, especialmente na presença de incentivos irresistíveis. Isso significa que um bom investimento futuro é desenvolver desde a infância, desde a pré escola, a tolerar frustrações, controlando impulsos  e adiar recompensas. Pois é, “engolir sapos” e não ganhar tudo que quer, faz parte do treinamento. 

Existem muitos mitos sobre o funcionamento do cérebro do adolescente, que os avanços da neurociência e principalmente da neuroimagem funcional têm recentemente sido esclarecidos. 


Busca pelo prazer imediato
Ressalto que o adolescente apresenta como característica comportamento de maior exposição ao risco, grande reatividade emocional e menor planejamento e controle de suas ações. O conhecimento da neurociência atual comprova o que a experiência de nossos antepassados já conhecia na prática.

Na adolescência, primeiro se desenvolve, ou amadurecem as áreas responsáveis pela emoção. Isso está associado a diferentes trajetórias do desenvolvimento de regiões límbicas subcorticais nesta idade (áreas da emoção).  Caminhando para o final da adolescência e idade adulta ocorre progressiva mudança de controle para a região cortical, mais precisamente o córtex pré-frontal (área da razão), responsável pelo controle cognitivo e funções executivas.  Corresponde a desenvolver planejamento e execução de seus atos em direção a cumprir metas. 

Até ratos e chimpanzés adolescentes se arriscam mais e vivem à caça de novidades e prazeres. 
O controle do cérebro do adolescente vai de baixo para cima, das regiões subcorticais para o córtex: prazer aqui e agora, custe o que custar. O adolescente não antevê consequências, mas não podemos dizer que não tenham fé. Sempre acham que suas atitudes intempestivas vão dar certo.

Dizer para o adolescente estudar, para ter um emprego melhor no futuro ou mesmo estudar diariamente para chegar no final do ano e passar de ano para ganhar computador novo, fica difícil de ser atingido. Eles precisam ter a recompensa rápida.  Seu cérebro é movido pelo aqui e agora. Prazer já! Mais gostoso ficar no iPad. 

O controle do adulto “maduro” acontece  de cima para baixo, do córtex pré-frontal, responsável pela razão, predominando sobre as regiões subcorticais, da emoção.  Progressivamente ocorre amadurecimento no sentido de desenvolver maior eficiência no controle cognitivo, com melhores tomadas de decisões e modulação do afeto. 

Recompensas por méritos
Fica mais efetivo descobrirmos seu maior prazer, que geralmente são o acesso às “telas”: tablets, iPhone, computador e TV, para fazermos acordos de oferecer recompensas por merecimentos, em vez de castigos. Alguns vão “morar no castigo”. Podemos fazer propostas claras e imediatas: se cumprir os combinados (agenda completa, revisão de conteúdo, lição, cooperação familiar mínima, habilidade social) poderá acessar as almejadas telas.  Se não cumprir, não terá acesso a telas neste período.

Claro que isso poderá ser acompanhado de explosão de sentimentos de raiva, com crises de birra, por vezes xingamentos, atirar objetos, ameaça de abandonar seu amor, ou choro. Os sentimentos todos podem e devem ser acolhidos com compreensão, mas imediatamente posicionados: “entendemos sua raiva de precisar adiar os prazeres e precisar cumprir os deveres, porém não aceitamos que jogue os objetos no chão ou que expresse palavras inadequadas”. 


Comportamentos são controlados por consequências imediatas: se...então...
Uma vez que o comportamento tenha ocorrido, não poderá mais ser alterado. Já foi, já aconteceu, porém, as consequências imediatas que se seguem alteram a probabilidade desse comportamento vir a acontecer novamente, ou não.  

As terapeutas comportamentais usam a expressão “se...então...” para resumir esta condição.  Se colocar dedo na tomada, então leva choque. Se ultrapassar o limite da bagunça na classe, então não participará do recreio... Portanto, uma ação ou um comportamento executado, será reforçado, quando seguido de uma consequência imediata: AÇÃO, CONSEQUÊNCIA, REFORÇADOR (estímulo).

O indivíduo precisa vivenciar as consequências de seus atos. Isso ocorrendo de forma repetida leva ao aprendizado. As consequências imediatas passam a controlam a ação ou comportamento futuro do indivíduo. 

Há uma frase que cabe bem na educação e formação dos nossos filhos, alunos, pacientes, enfim cidadãos, cujo autor parece ter sido Darwin que diz “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças do ambiente”. 
Comportamento certo no lugar certo, maior probabilidade de sucesso. 


Colocar limites claros, regras claras, fazer acordos
Estabelecer limites esclarece ao indivíduo o que pode, o que não pode e até onde pode. 

Na adolescência há necessidade de fazer acordos. Há necessidade de ouvi-los para fechar os combinados. Não resolve apenas determinar nesta faixa etária. 
As regras e limites devem ser colocados antecipadamente. Devem ser falados e, se possível, escritos e colocados em local visível. Devem ser usadas poucas palavras, de forma breve, firme e claras. Sem discurso de Fidel. Se necessário use sinônimos para não ficar dúvidas. Nada é óbvio: tudo precisa ser verbalizado, nada deve ser subentendido. Faça breve questionamento para verificar se compreendeu claramente. Depois disso tudo, só resta assumir a consequência imediata e a frase: “que parte do não pode..., se não... ou do se...então ... você não entendeu?”

Se você não colocar limites, a sociedade o fará, porém não com tanta tolerância, compreensão e carinho. Como nada é óbvio, esclareço que não adianta colocar limites se eles não forem respeitados. Aprender a seguir regras e respeitar limites depende das consequências apropriadas que o indivíduo sofre. 


Agir com consistência não significa não
Pais e cuidadores devem agir sempre da mesma maneira quando a criança ou o adolescente apresentar determinado comportamento. Não dá para dizer normalmente não pode, mas como hoje o pai está cansado, então pode. 

Muitos pais dizem um “não” que significa “talvez” ou “não, mas tenho tanto dó de você”, ou muito peso na consciência pois trabalham muito e ficam pouco com o filho... porque você era tão fraquinho quando pequeno, quase não comia,  é hiperativo, tinha asma, etc. “A sociedade inteira quer que eu diga não, mas eu acho que você já sofreu o suficiente...”.  


Motivação e recompensa liberam neurotransmissores no cérebro
Os comportamentos adequados devem ser reforçados positivamente. Oferecer uma manifestação de afeto, um elogio sincero, o reconhecimento do esforço, um presentinho, enfim, uma consequência reconhecida como recompensadora para si próprio. 

Existem famílias que não reforçam positivamente e ignoram cumprimentos de metas. O jovem se esforça, se comporta bem, obtendo o melhor resultado possível e não há qualquer manifestação de reconhecimento ou vem aquele comentário “não fez mais que a obrigação”. 

O processo de neurodesenvolvimento é longo, se estendendo na maioria dos casos até por volta dos 23 anos de idade. Há algumas sutilezas de refinamento de tomadas de decisão que em alguns indivíduos acaba por volta dos 30 anos.

A maioria, por volta dos 20 anos, já apresenta adequada maturidade neurológica.  Claro que desde o início da adolescência vai havendo progressiva autonomia. Caso haja algum tipo de disfunção do sistema nervoso, pode haver necessidade de gerenciamento próximo até o final do neurodesenvolvimento. 


*Dra. Saada Ellovitch é neurologista da Infância e Adolescência do Hospital Samaritano de São Paulo

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