quarta-feira, 26 de junho de 2013

A “Cura Gay”



Por Breno Rosostolato*

        

Professor de psicologia da FASM comenta projeto de lei sobre “Cura gay”


A “Cura Gay”

Por Breno Rosostolato*

         Somos assolados por políticos corruptos, mentalidades rígidas que conduzem o governo de maneira pouco flexível e com conceitos impositivos e absurdos. O que muitos parlamentares possuem é um sentimento de soberba, cuja posição política é sustentada por posicionamentos distorcidos da própria vida, da sociedade e do mundo. A sensação que tenho é que o momento histórico contemporâneo e cultural do Brasil é ignorado por uma grande parcela de políticos, que não se atentam às mudanças da sociedade. Políticos que fazem pouco caso da transformação de mentalidades da população e que deveria ser enaltecida e contemplada, porque amplia-se a discussão e as reflexões sobre os papéis sociais, a sexualidade, a participação politizada das pessoas sobre as mazelas do Brasil e por ai vai. Não são todos, mas políticos como Marcos Feliciano (PSC-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Jair Bolsonaro (PP-RJ) se sentem intocáveis e fazem um desserviço para a população brasileira.

         Com um discurso homofóbico, os parlamentares são conhecidos por um posicionamento arbitrário e agressivo em relação aos homossexuais. As absurdas e agressivas declarações da dupla incitam a violência e semeiam o ódio.

         Toda essa polêmica em torno da homossexualidade e as opiniões contrárias dos parlamentares já seriam suficientes para questionarmos, de fato, quais os benefícios para a nação em tê-los como representantes da sociedade. O mais triste é que as idéias preconceituosas e pouco esclarecidas representam uma grande parcela da população que se espelha nas considerações deturpadas que os dois fazem das identidades sexuais e insistem em resistir às transformações que estão acontecendo.

         Uma lei apelidada de “cura gay” foi aprovada, à surdina, em meio aos protestos e manifestações políticas que acontecem em todo o país, na Comissão de Direitos Humanos e Minorias no último dia 18 de junho. A proposta de lei terá que passar ainda por outras duas comissões, da Seguridade Social e Constituição e Justiça. Se aprovada em ambas, segue para o plenário da Câmara. O texto, o Projeto de Decreto da Câmara (PDC) 234 anula e corrige dois artigos do Conselho Regional de Psicologia. Para ilustrar, transcreverei os artigos em questão:

“Resolução nº 1/1999
Art. 3° - os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.
Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
Art. 4º - Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.”

         
Esta proposta, além de ser um grande equívoco, é mal intencionada. A lei de fato não fala em “cura gay”, não explicitamente. A concepção de uma cura é implícita na intenção da proposta. Está nas entrelinhas. A lei se expressa entre aspas sutilmente, mas é bastante incisiva. Se alguém vai a uma clínica de psicologia para mudar sua orientação sexual é porque se considera doente, enfermo e portador de algo maléfico. Esta é a maneira da lei patologizar a homossexualidade. A pessoa pode estar descontente de sua orientação sexual, se sentir incomodado com seu desejo por alguém do mesmo sexo, mas isso se deve a uma opressão social, que faz com que esta pessoa se sinta retraída, culpada, envergonhada de si mesmo. Uma sociedade heteronormativa que determina um padrão correto de expressar sua sexualidade e sentimentos, ou seja, uma relação amorosa e sexual deve acontecer apenas por pessoas do sexo oposto, cercando a liberdade e autonomia da pluralidade sexual que sempre fez parte das relações interpessoais e é integrante da história da humanidade. A proposta de lei coíbe e cerceia a aceitação que uma pessoa deve ter aos seus próprios desejos e a maneira de se reconhecer como um ser livre.

Os defensores da lei argumentam que a esta visa ampliar os serviços da psicologia e aumentar a prática do psicólogo, além de questionar a determinação do Conselho Federal de Psicologia (CFP), pois de acordo com os parlamentares que defendem a PL, o órgão “extrapolou o seu poder regulamentar e usurpou a competência do Legislativo”.

O que parece um discurso muito bonito e justo é na verdade uma alegoria de idéias bizarras e leviandades, que não amplificará o atendimento do psicólogo, mas na verdade, distorce a verdadeira atuação do profissional, que é dar condições para o cliente de vencer seus preconceitos e dar sustentação a sua autonomia e emancipar-se a alguns conceitos que são empecilhos para se reconhecer e se aceitar. Querem transformar o psicólogo num repressor, num limitador. A concepção desta famigerada lei é uma tentativa de justificar a homofobia tendo a psicologia como embasamento, uma vez que não podem simplesmente confrontar com a homossexualidade e para isso, querem usar as práticas psicológicas para fortalecer um pensamento retrógrado e arcaico. Fico preocupado com a aprovação desta proposta de lei porque o retrocesso é evidente. Fico imaginando cursos promovidos para ensinar técnicas de mudar uma identidade sexual ou até mesmo cursos de especialização para tais práticas. Clínicas com a seguinte propaganda: “Entre gay e saia macho”. É, acho melhor não pensar não que me faz mal.

         Devemos curar sim o preconceito e combater os conceitos deturpados, a ignorância da sociedade sobre a homoafetividade. Duas mulheres podem se amar. Dois homens podem se amar. Estes casais devem se amar e serem felizes.
Além de não me sentir representado ou amparado por esta proposta de lei, repudio totalmente não só a lei como os profissionais que consideram a "cura gay" como uma realidade. A cura gay é mais uma das mazelas e uma penúria social. A pessoa não está homossexual, a pessoa é homossexual.

* Breno Rosostolato é psicólogo e professor da Faculdade Santa Marcelina -  FASM.


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