Tratado
de Marrakesh: momento histórico dos Direitos Autorais
A assinatura do Tratado de Marrakesh representa um
momento histórico para o sistema dos Direitos Autorais. Assinado em 28 de junho
no Marrocos, o tratado
internacional facilitará e tornará livre de impedimentos, sob a
ótica dos direitos autorais, o processo para que obras literárias sejam
adaptadas para o sistema braile e outros sistemas que permitem a absorção por
portadores de necessidades visuais específicas.
Baseado na lei brasileira de direitos autorais e outras
legislações Latino Americanas, o Tratado resultou de quase uma década de trabalhos junto
à Organização Mundial da Propriedade Intelectual, em Genebra, Suíça. O ato
aconteceu na cidade de Marrakesh, Marrocos, durante conferência da Organização
Mundial da Propriedade Intelectual, formada por 186
países.
O novo tratado ilustra um momento especial de
harmonização entre os Direitos Humanos e os Direitos da Propriedade Intelectual,
bem como e especialmente, destaca a capacidade e liderança brasileiras nas
questões discutidas no âmbito da Organização Mundial da Propriedade
Intelectual.
Mais do que isentar os formatos excepcionais do
pagamento de royalties, o Tratado de Marrakesh reconhece a importância da
participação da sociedade civil organizada na formação de processos legislativos
internacionais. A iniciativa do tratado, que resulta de quase uma década de
discussões, foi lançada por associações de portadores de limitações visuais, as
quais pautaram, instruíram e pressionaram os governos a discutir o tema,
finalmente aprovando-o.
Como regra, obras literárias são protegidas pelo sistema
autoral, para que haja um equilíbrio entre o acesso à informação e a justa
remuneração do autor e dos gestores da obra. Ocorre que algumas exceções à essa
regra existem. A lei brasileira, desde 1998, entende que é livre, ou seja, não
ocorrerá em violação aos direitos autorais, a adaptação de obras literárias
impressas em formatos padrão para modelos acessíveis aos indivíduos com
capacidade visual limitada ou inexistente, como os formatos com fontes maiores
ou impressas no sistema braile.
O Brasil sempre defendeu a tese de que a encontrava base
legal internacional, especialmente pela Convenção de Berna. Essa Convenção
estabelece que os Países poderiam estabelecer exceções às regras autorais desde
que elas ocorressem em casos específicos, que não impedissem ou prejudicassem
substancialmente a exploração da obra através de outros meios e, ainda, que não
causassem prejuízos indevidos aos titulares de direito. Ocorre que a exceção
brasileira era regional, não alcançando outros territórios.
Com o Tratado de Marrakesh, a Organização Mundial da
Propriedade Intelectual incorpora esse conceito de exceção em um documento
internacional. Assim, os países que escolherem ratificar o Tratado terão
incorporadas, em suas legislações autorais locais, a exceção para os chamados
VIPs – Visually Impaired People,
ou indivíduos com limitações visuais.
Nos últimos dias, inclusive, uma situação inusitada
ocorreu. O cantor e compositor Stevie Wonder clamou aos negociadores que
atingissem o consenso, garantindo que, na hipótese de conclusão do Tratado, ele
se apresentaria em Marrakesh, em um pequeno concerto. Sorte dos ali presentes,
que puderam aproveitar uma belíssima apresentação. Stevie Wonder chegou a
Marrakesh na manhã de 28 de junho, dia da assinatura. De fato, há muito o que se
comemorar.
* Benny Spiewak é
advogado, sócio responsável pelas áreas de Defesa, Propriedade Intelectual, Life
Sciences e Tecnologia do escritório ZCBS – Zancaner Costa, Bastos e Spiewak
Advogados, especialista em Propriedade Intelectual e Tecnologia pela Fundação
Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), especialista em Propriedade Intelectual e
Transferência de Tecnologia pelo The Franklin Pierce Law Center (Concord, EUA) e
mestre em Direito da Propriedade Intelectual (LLM), formado pela The George
Washington University.
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